sábado, 12 de dezembro de 2015

Crítica: "O Clã"

(El Clan, 2015), de Pablo Trapero


Juan Pedro Lanzani e Guillermo Francella em "O Clã"

Pablo Trapero é o diretor de um dos melhores filmes já feitos na Argentina: “Do Outro Lado da Lei” (El Bonaerense, de 2002), sobre a corrupção da polícia de Buenos Aires. É um cineasta de um talento inegável, e em seu último filme, “O Clã”, é possível que esteja no auge de seus recursos fílmicos. A narrativa é de uma grande fluidez, capaz de envolver o público com extrema facilidade – não à toa, o longa tornou-se um enorme fenômeno popular: bateu “Relatos Selvagens” em bilheteria e monopolizou os debates cinematográficos entre nossos hermanos em 2015.

É uma história verdadeira sobre eventos envolvendo a família Puccio, na Argentina nos anos 80, quando o país ainda vivia sob uma ditadura militar. O grupo é formado por um homem, sua mulher, dois filhos (há um terceiro que mora no exterior) e duas filhas, uma família de classe média aparentemente comum, do tipo que jamais levantaria suspeita de nenhuma natureza nos vizinhos. Mas, na verdade, esse clã tão simpático tem um lado bastante tenebroso: é especializado em sequestrar milionários para embolsar o resgate.

O pai diz: “Os ricos são a grande causa da infelicidade do resto deste país”. Ele até tem razão, mas uma pessoa precisaria ser um tanto ingênua para realmente comprar esse discurso pretensamente “politizado” como sendo a real motivação por trás do atos criminosos dos Puccio; claramente, é dinheiro o que lhes interessa.

O roteiro não esconde nada do espectador: a família pode ser encantadora, mas de forma alguma seus membros são pessoas boas. Bem, ao menos é o que o roteiro deixa claro... O problema é que Trapero tem uma vontade desmesurada de dar ao material uma qualidade pop, com uma câmera alucinada, fazendo movimentos de câmera longos e complexos, e uma trilha abarrotada de excelente música dos anos 70 e 80. Como Tarantino, ele quer proporcionar ao público um enorme prazer cinematográfico (e de fato consegue), mas o tema é pesado demais para ser tratado de forma a ser tão palatável. Assim, o diretor cai em uma armadilha: passa automaticamente (ainda que a contragosto) a forçar o público a estabelecer uma forte conexão com seus personagens abomináveis. Com o auxílio dessa estetização pop, o espectador é induzido a muitas vezes tentar entender a humanidade dos personagens e perdoá-los por seus crimes - o que é inviável, dada a gravidade e violência dos atos.

Não no caso do pai, que é uma figura impossível de defender, principalmente nos momentos finais, quando se torna caricaturalmente um monstro. Mas Trapero suaviza tudo em torno do filho mais velho, que é o protagonista da trama. Não que ele seja um santo – o filme o mostra como conivente com as atrocidades cometidas por seu pai. Mas mesmo que o roteiro originalmente pretendesse que o público mantivesse um distanciamento e que soubesse que ele tampouco é lá flor que se cheire, a maneira algo romântica como Trapero o enfoca tende a gerar uma certa simpatia pelo personagem, como se ele não fizesse parte de uma terrível organização criminosa. Ele é antes apresentado como uma vítima, um pobre coitado por ter nascido naquele meio familiar nocivo e não saber como dele fugir. Ao final, tem-se a impressão de que ele, espantosamente, seja uma espécie de herói.  

Eu digo que Trapero faz isso a contragosto porque suponho que ele não tivesse a intenção original de nos fazer ter identificação e muito menos perdoar um criminoso horrível, que ajudou a sequestrar e a torturar pessoas. Mas se isso for realmente o propósito do diretor, aí o filme é mais do que indefensável: é também repulsivo.

Em “O Clã”, o diretor, em sua ânsia formal de fazer um filme palatável, de sucesso, acaba sacrificando muitas de suas ideias em nome do estilo. Lamentavelmente, Trapero não apenas dá a impressão de que está dando muita atenção ao sucesso de bilheteria como também nos mostra uma das piores coisas que podem acontecer a um grande artista: parece estar perdendo sua voz pessoal. Espera-se que ele retorne a projetos menos afoitos e que não priorize tanto a adesão do público em detrimento de sua visão autoral. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário