quarta-feira, 25 de maio de 2016

Crítica: "O Valor de um Homem"

(La Loi du Marché, 2015), de Stéphane Brizé


Vincent Lindon em cena do filme

Vincent Lindon não deve ter muito mais do que dez falas em "O Valor de um Homem", mas as expressões faciais dele não passam de duas – no máximo três. Mas são sempre as expressões mais acertadas: com seu bigode colossal (ainda maior que o que ostentava no curioso "O Bigode", de Emmanuel Carrère), Lindon está ótimo neste drama social de Stéphane Brizé. Não por acaso, o papel lhe garantiu um prêmio de melhor ator no Festival de Cannes do ano passado.

Ele interpreta um cinquentão que entra em desespero quando se vê desempregado – afinal, ele sustenta a mulher e um filho excepcional. Com muito custo, consegue uma colocação como segurança em um hipermercado, que ele agarra com unhas e dentes. Não é um trabalho "pesado" ou sequer realmente arriscado, mas é penoso: volta e meia, ele tem que passar pelo constrangimento de revistar e interrogar pobres ladrões de galinha, que afanam itens sem muito valor, mas que precisam “levar uma prensa”, para servir de desestímulo para que outras pessoas façam o mesmo. Mas as situações piores são quando ele precisa inquirir seus próprios colegas de trabalho, explorados e mal remunerados como ele, que também fazem pequenos furtos de vez em quando para compensar o baixo salário.

As intenções de Brizé são boas: fazer um filme sobre as dificuldades cada vez mais crescentes no âmbito do mercado de trabalho na Europa (e no mundo) atual. E sobre as situações degradantes às quais o capitalismo moderno força homens "de valor" (como diz o título piegas na versão brasileira) diariamente a passar em seus ambientes de serviço. Mas Brizé recai no mesmo problema que nove entre dez jovens cineastas europeus que se metem a falar de temáticas sociais em seus filmes: um dardennismo mal controlado. A câmera na mão treme parkinsonianamente (a "inspiração" no cinema dos irmãos belgas desemboca quase que em uma caricatura dos filmes da dupla), os personagens monossilábicos são muitas vezes enfocados de modo a conquistar a empatia do espectador de forma relativamente fácil (armadilha da qual o cinema dos Dardenne costuma escapar), há o gosto especial por mostrar os personagens vistos de costas (quase nunca com uma razão substancial)... E há uma tensão extrema: o espectador quase não tem alívio.

Brizé muitas vezes aplica ao seu longa uma intenção documental que escapa ao simples estilo realista das sequências de ficção; ele inclui longos minutos de trechos de câmeras de segurança de hipermercados. Por alguns instantes, o filme parece que vai ganhar uma personalidade mais autêntica, dedicando-se a um estudo algo antropológico do comportamento das pessoas durante suas compras – e seria até mais interessante se seguisse mesmo por esse caminho. Mas Brizé vai só parcialmente por essa trilha; as cenas parecem ter sido incluídas mais como ilustrações que propriamente com uma finalidade voyeurística ou de estudo dessas imagens.

Ou talvez elas surjam como um artifício de jogar com os nervos dos espectadores, que são muitas vezes levados a crer que vão presenciar alguma mão leve em ação, ou algo de extraordinário sendo filmado pelas câmeras. Mas nada acontece. Brizé busca algum efeito realista, mas capta o que a realidade às vezes tem de pior: o tédio, puro e simples.

O voyeurismo de Brizé se manifesta muito mais nas cenas que envolvem o protagonista; ele não poupa seu personagem de situações constrangedoras e humilhantes. Não parece ter exatamente “prazer” com o sofrimento do personagem, mas está claramente interessado em explorar essa miséria humana. Muitos cineastas fazem a mesma coisa de maneira bem menos ética, muitas vezes até ultrajante, então o procedimento de Brizé não chega a ser de todo condenável. Tampouco, porém, é inofensivo como um espectador mais desatento pode achar que seja. No fim das contas, o "O Valor de um Homem" consegue ser efetivo e, em certa medida, cativante. Mas não precisaria muito para se tornar um filme abjeto. Fica no meio do caminho entre o humanista e o exploratório.

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