domingo, 27 de novembro de 2016

Crítica: "Sangue do Meu Sangue"

(Sangue del mio Sangue, 2015), de Marco Bellocchio

Cena de "Sangue do Meu Sangue"

Foi fácil ouvir os aplausos ao fim da sessão de imprensa no Festival de Veneza 2015 a "Sangue do Meu Sangue", filme de Marco Bellocchio, que só agora, com bom atraso, estreia por aqui. Mas se a sala não estivesse tão barulhenta com as palmas, talvez fosse possível ouvir algo mais: o barulho dos cérebros dos jornalistas, trabalhando duro em busca de compreender o que exatamente o cineasta italiano quis dizer com sua história – e seu misterioso final, principalmente.

O título do longa é uma piada extrafílmica: é que dois dos filhos do diretor (Pier Giorgio e Elena Bellocchio, ambos figuras de fotogenia e charme inesperados) têm papeis de destaque na trama. A história é dividida em duas partes. Ambas se passam em Bobbio, Emilia Romagna (terra natal do cineasta), mas em dois períodos históricos distintos. 

A primeira parte se desenrola no século 17, quando uma religiosa seduz um padre, que, por isso mesmo, comete suicídio. Como punição, a moça é condenada pela rígida Igreja Católica da época a passar o resto de seus dias aprisionada em um cubículo, atrás de um muro de tijolos. A segunda metade se passa nos nossos dias: um vampiro milionário, cuja fortuna foi acumulada após décadas sugando dinheiro (além do sangue) de outras pessoas, chegou a uma idade tão avançada que seu fim está próximo – mesmo que ele já seja, a rigor, um morto-vivo.

O longa apresenta as duas histórias em estilos bem diferentes: a primeira é mais sóbria, lírica, algo soturna; a segunda é bem mais leve e satírica, quase histriônica em sua comicidade. As duas se equivalem em qualidade, mas poderiam facilmente ser partes de dois filmes distintos.

Mas não apenas são parte do mesmo filme como também possuem fortes (embora nem sempre fáceis de notar) conexões. As duas lidam com a questão do poder (o religioso na primeira, o econômico na segunda), e talvez seja exatamente isso o que Bellocchio busque dizer com o seu filme: o tempo passa, muita coisa muda, mas os poderosos continuam dando um jeito de se reinventar, de modo que sempre há grupos (às vezes os mesmos, mas rearranjados) explorando os demais. Mas isso é apenas um ponto de partida para investigações mais profundas sobre o significado e as conexões entre a trama sobre a bruxa do passado e o vampiro do presente.

Bellochio não tem o menor interesse de tornar as coisas fáceis para seu público: inicia alguns caminhos, mas logo abandona a plateia sozinha, no meio da floresta – cabe a nós cortarmos o mato diante de nós e chegar ao ponto final do trajeto (ou morrer, exaustos e perdidos, no meio do matagal). 

Talvez a segunda opção tenha sido mais comum: embora seja um filme extraordinário, não parece ter tido muita adesão da crítica (sobretudo a nacional), que o têm injustamente considerado um filme "menor" de Bellocchio. Eu vejo ao contrário: para mim, é um dos mais instigantes e inspirados longas desse grande diretor italiano.

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