O ser anfíbio de "A Forma da Água", vencedor de Veneza |
Veneza opta por caminho seguro com filme hollywoodiano de Del Toro
BRUNO GHETTICOLABORAÇÃO PARA FOLHA, EM VENEZA 10/09/2017
O Festival de Veneza de 2017 trouxe filmes bem distintos,
mas uma preocupação predominou: discutir a insanidade do mundo atual. E o júri
presidido por Annette Bening se viu perante alguns filmes peculiarmente
desafiadores. Mas diante da angústia religiosa de Paul Schrader ("First
Reformed"), da volúpia estival de Abdellatif Kechiche
("Mektoub") e das metáforas discutíveis de Darren Aronofsky ("Mãe!"),
os jurados escolheram um caminho mais seguro.
O Leão de Ouro (entregue no sábado, 9) ao hollywoodiano
"The Shape of Water", de Guillermo Del Toro, foi um prêmio de
"zona de conforto". Não que o filme não proponha desafios, mas o faz
de forma inofensiva. Como "O Labirinto do Fauno" (2006), de Del Toro,
é uma fantasia, mas menos soturna: é sobre uma faxineira muda que vive um
romance com um estranho ser anfíbio. Fala de solidão e de não ser compreendido
pelo mundo. Como não se identificar?
Há até um quê de ousadia: a protagonista se masturba, e há
cenas de tortura. Mas a estética à la "O Fabuloso Destino de Amélie
Poulain" (2001) e a atmosfera lúdica tipo "A Invenção de Hugo
Cabret" (2011) abrandam tudo; o filme é feito para encantar. Ainda tem um
viés inclusivo (os aliados da protagonista são uma mulher negra e um vizinho
gay). Por via das dúvidas, Del Toro dá a cartada final: faz uma homenagem ao
cinema. Que júri não premiaria? Aliás, ele pode se juntar a Alfonso Cuarón
("Gravidade") e Alejandro G. Iñárritu ("Birdman" e "O
Regresso") ao clube dos mexicanos oscarizados.
Mais corajoso foi o Grande Prêmio do Júri, para
"Foxtrot", do israelense Samuel Maoz. O drama surreal fala do absurdo
de se viver sempre pronto para a guerra. Em seu caos, foi uma das obras mais
poderosas vistas no Lido. O Prêmio Especial do Júri foi para o belo "Sweet
Country", do australiano Thornton Warwick, western que joga luz na questão
aborígene. O troféu de melhor diretor foi para Xavier Legrand, por
"Jusqu'à la Garde". Estreando em ficções, o francês fala de violência
doméstica, em um drama que evolui com competência para o thriller. E o melhor
roteiro foi para a boa surpresa "Three Billboards Outside Ebbing,
Missouri", de Martin McDonagh, sobre a ira na sociedade americana. Foram
os três prêmios políticos da edição.
O troféu de melhor ator para o palestino Kamel el Basha, por
"The Insult", parece antes uma forma de reconhecer o ótimo filme do
libanês Ziad Doueiri, sobre uma briga entre um libanês e um palestino. E a
melhor atriz foi Charlotte Rampling, por "Hannah" (de Andrea
Pallaoro). É uma boa atuação, mas é o mesmo papel contido, amargurado e de
poucas falas que Rampling tem feito há anos. Melhor seria premiar Helen Mirren,
em sua enérgica e colorida performance no drama sobre idosos "The Leisure
Seeker", infelizmente ignorado pelo júri.
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