quinta-feira, 30 de março de 2017

Crítica: "Os Belos Dias de Aranjuez"

(Les Beaux Jours d'Aranjuez, 2016), de Wim Wenders*

Cena do longa, que estreou no Festival de Veneza, em 2016

Foi entre aplausos comedidos e bocejos que Veneza recebeu "Os Belos Dias de Aranjuez", filme do alemão Wim Wenders, exibido na disputa pelo Leão de Ouro. Adaptado de uma peça de Peter Handke (que colaborou com o cineasta em "Asas do Desejo"), o longa foca basicamente uma cena: um homem e uma mulher conversando em um jardim.

Wenders cria uma espécie de Éden (há até uma maçã em cena) como cenário para o "bate papo". Em geral, o homem faz perguntas – muitas delas sobre experiências sexuais da mulher. Ela responde, mas sem detalhes eróticos; narra suas relações de modo abstrato, em falas literárias que transitam entre o descritivo e o filosófico. E o filme se prolonga sobre esse diálogo, sempre partindo de ideias promissoras sobre a diferença entre os sexos, mas que pouco são desenvolvidas.

"Essa diferença [entre sexos] já causou guerras, mas também a coisa mais bela do mundo, que somos nós", disse Wenders, na coletiva de imprensa. "Gostei do texto por que mostra como um sexo vê o outro. E, a cada dia, em vez de respostas, temos mais perguntas sobre isso."

O longa é em 3D e, a priori, é difícil pensar em um filme que necessitasse menos dessa tecnologia. "O 3D me faz levar o público para dentro da obra. Não poderia ter conseguido isso de outra forma", explicou o cineasta.

Mas a tridimensionalidade tem outros efeitos, como ampliar a beleza estival das imagens e reforçar o caráter teatral do longa; embora a câmera fluida de Wenders atue no sentido oposto, libertando o material do formato para o qual o texto foi criado, o 3D resgata sua teatralidade – experiência semelhante à de ver atores de carne e osso. O procedimento não resulta em muita coisa, mas esse estranhamento causado por esse "retorno" ao teatro talvez seja o que o filme tenha de mais interessante. 

Primeiro filme em francês de Wenders, o longa tem o que o cinema da França traz de melhor –inteligência e ousadia –, mas também de pior: a afetação e a tendência ao falatório; o filme é pura verborragia. Às vezes lembra "Le Camion", de Marguerite Duras, e "O Ano Passado em Marienbad", de Alain Resnais, mas quase sempre sem ir aonde prometem suas pretensões.

Wenders é um homem inteligente e talentoso (e autor de ao menos uma obra-prima: "Paris, Texas"), mas talvez autoconfiante demais nessas suas duas qualidades, a ponto de achar que um longa tão insatisfatório pudesse ser comprado como “grande filme”. A crítica, que no passado costumava cair na lábia do diretor em projetos pretensiosos, mas inócuos, desta vez, felizmente, soube perceber isso: a repercussão foi, no geral, negativa. É mais uma vez um Wenders inquieto e cheio de "pontos de partida". Mas inquietude apenas e ideias não desenvolvidas não fazem bom cinema.

*Texto adaptado do originalmente publicado na Folha de S.Paulo, detentora dos direitos de reprodução; o original foi publicado na cobertura feita para o jornal, em 02.set.2016, e está no link http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2016/09/1809314-filme-de-wim-wenders-e-recebido-entre-aplausos-e-bocejos-em-veneza.shtml

Nenhum comentário:

Postar um comentário