Juliette Binoche em "Deixe a Luz do Sol Entrar" |
"Deixe a Luz do Sol Entrar" traz Juliette Binoche como Isabelle,
uma cinquentona cuja vida sentimental é um fracasso. O profissional vai bem,
obrigado – ela é uma artista plástica sem problemas financeiros e, ao que
parece, com algum prestígio. Na vida familiar, também vai tudo certo – isso nos
termos do filme, mas muitas pessoas não teriam a mesma opinião: divorciada, Isabelle
tem uma filha de 10 anos que sofre com sua ausência – a indiferença (do filme e
da mãe) pela garota é tanta que a existência da pequena só é sugerida ao espectador depois de quase
uma hora de projeção. Mas, no filme de Claire Denis, isso não é nada de
importante. Isabelle tem dramas maiores para superar.
Sua grande tragédia: a falta de uma vida amorosa que a preencha. E como já
não é tão jovem, talvez seu tempo para amar esteja acabando, o que a desespera.
Ela chora (algumas vezes) de tristeza porque não consegue se acertar com nenhum
de seus parceiros sexuais – quando há afinidade na cama, as conversas (ou
silêncios) com o companheiro nunca saem como ela gostaria.
Entende-se com certa facilidade porque nenhum romance com
Isabelle engrena: seus pretendentes estão longe de ser pessoas apaixonantes. O
dedo podre da artista plástica elege alguns dos piores companheiros possíveis. Um
deles é um verdadeiro ogro machista; outro, um ator que fala mais de seus
dramas do que uma mulher gostaria de ouvir; há ainda o próprio ex-marido
reclamão, um amigo ciumento especialista em denegrir os parceiros de Isabelle, e um sujeito charmoso mas de nível intelectual bem mais baixo que o dela.
O problema é que a própria Isabelle tampouco é muito menos
insuportável: já passou dos 50, mas age muitas vezes como uma trintona – isso
quando não faz birra de adolescente. É afeita a crises de choro, tediosas discussões
de relacionamento e ainda age com certa histeria diante de alguns contratempos.
Ou seja: tem vários dos cacoetes que não exatamente contribuem para reverter o
estigma machista acerca da mulher enquanto "neurótica", bipolar ou afetivamente
instável. (Na verdade, a opção por uma mulher não heroica, embora questionável em
termos de opção empoderadora, é um acerto dramatúrgico; o filme cairia no
lugar-comum do feminismo fácil se a apresentasse como um ser muito superior aos
demais).
Mas a moral da história não é defender esse tipo de
comportamento-clichê ou rebaixar a mulher – ao contrário. Claire Denis pretende
que seu filme seja libertador, ainda que em seu estilo politizado em meio-tom; quer mostrar que a obsessão por buscar a cara-metade
é uma prisão, e que ninguém (homem, mas sobretudo mulher) precisa necessariamente passar a vida atrás disso para
ser feliz.
Na parte final, Isabelle se encontra com um sensitivo (Gérard Depardieu, a melhor coisa do filme), que também é meio terapeuta, que logo lhe dá uma simples lição: ela precisa se abrir. Ou como ele diz: ficar "open" para o que a vida tem a lhe oferecer. Ou ainda, como diz o título nacional, "deixar a luz do sol entrar" em sua vida. Sem se pressionar ou exigir demais de si.
Na parte final, Isabelle se encontra com um sensitivo (Gérard Depardieu, a melhor coisa do filme), que também é meio terapeuta, que logo lhe dá uma simples lição: ela precisa se abrir. Ou como ele diz: ficar "open" para o que a vida tem a lhe oferecer. Ou ainda, como diz o título nacional, "deixar a luz do sol entrar" em sua vida. Sem se pressionar ou exigir demais de si.
Ele está errado? Nem um pouco. Mas aí surge a grande
questão: precisava realmente fazer um filme de mais de uma hora e meia para que
a personagem chegasse a essa brilhante conclusão? Se ela ainda passasse por esse processo de conscientização por conta própria, o filme até se justificaria, mas cá entre
nós: precisar recorrer à ajuda de um sensitivo? (e homem, ainda por cima)? Pode
até condizer com o perfil pós-adolescente da protagonista, mas não com o da
pretensão libertadora e feminista que o filme provavelmente tinha no projeto.
Denis, não há dúvida, mirou em um filme singelo, não
panfletário, para falar de poder feminino. Fez isso por meio de uma falsa
comédia romântica, algo desformatada e sem grande arrojo visual (o que não a
impede de alguns rebuscamentos: há uma boa e reveladora cena em que Binoche conversa com uma amiga sobre sexo em um banheiro de restaurante; Por outro lado, no começo, em um bar, a câmera se move em cansativo ziguezague durante uma conversa entre Binoche e Xavier Beauvois; são tomadas que não levam a nada e sugerem as afetações de um aluno recém-saído de um curso de cinema).
O filme, em sua leveza proposital, é rasteiro demais para atingir suas
honráveis intenções. Parece um drama de relacionamentos banal, só que com mais palavrório que de hábito e com discussões burguesas bastante aborrecidas sobre visões incompatíveis do amor. E que se encerra como uma tentativa de soar como empoderante, mas que não passa da
mais corriqueira autoajuda.
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