ASTEROID CITY (dir. Wes Anderson)
Muita gente gosta de chamar de “autor” aquele cineasta que
se repete invariavelmente, sendo incapaz de sair da roda viva de padrões
estéticos e temáticos que ele próprio criou para si – e da qual se tornou
refém. Há quem prefira, no entanto, chamar isso de incapacidade de renovação (ou
preguiça de sair da zona de conforto).
“Asteroid City” é Wes Anderson no mais puro estado de
indolência. A não ser pelos aspectos relativos ao desenho de produção, que
apesar de repetir o universo de casa de bonecas habitual do cineasta, desta vez
é de fato mais impressionante, mesclando maquetes a cenários de verdade. De
resto, é a mesma tolice habitual – com o agravante de ser menos engraçado que o
diretor provavelmente pensa. E de ter uma narrativa que apenas comprova a perda
de fluência de Anderson com o passar dos anos. O filme é uma chatice colossal.
CLUB ZERO (dir. Jessica Hausner)
A austríaca Jessica Hausner apresentou na Croisette aquele
que talvez seja o filme mais destoante do que em geral tem sido apresentado na
competição – muito embora, é preciso dizer, o programa deste ano tenha contado
com obras extremamente distintas entre si.
É a história de um grupo de adolescentes que se inscrevem em
um curso de “Alimentação Consciente”, ministrado por uma professora metida a
guru nutricional. Cada um tem uma motivação para cursar aquela disciplina: um
dos estudantes o faz por achar que a produção de alimentos feita hoje em dia é
antiecológica; outro diz que deseja reduzir sua alimentação para ter mais
autocontrole; um colega diz que quer mesmo é ter uma silhueta mais esbelta, e
por aí vai.
Vivida por Mia Wasikowska, a professora diz aos seus alunos que
o ser humano come muito mais do que deveria, por pressões sociais e
capitalistas, e explica que o nosso corpo precisa se desintoxicar de alimentos
por meio de dietas rigorosas. No começo, parte de suas falas até faz sentido, e
os estudantes começam a vê-la como um ídolo a ser seguido. Mas, com o tempo,
ela começa a pregar dietas bastante extremas, e os alunos a acompanham nessa
progressão rumo ao radicalismo. Chegam a um ponto em que aceitam fazer parte do
Clube Zero – seletíssimo agrupamento de pessoas que simplesmente não comem nada
e, segundo os próprios membros dizem, são mais saudáveis e fortes assim.
O filme se pretende uma comédia de humor sombrio, cuja intenção
parece ser uma crítica ao messianismo de alguns líderes que acham que têm a
resposta milagrosa para superar de uma hora para a outra problemas humanos que,
há milênios, seguem nos atormentando. Mas Hausner constrói essa sua metáfora em
cima de um tema sério: algumas pessoas de fato têm transtornos alimentares, e o
fato de ela apresentar logo no início do filme uma cartela alertando que seu
filme pode ser um bocado pesado para quem tem esse tipo de problema não reduz
em nada o tom desrespeitoso do filme. “Club Zero” é, além de desmedido em sua
acidez, um filme bastante frágil em sua pretensão alegórica.
RAPITO (dir. Marco Bellocchio)
O octogenário Marco Bellocchio continua a fazer filmes com praticamente
a mesma energia e a mesma paixão por narrar uma história que tinha no início de
sua majestosa carreira. Desta vez ele se volta para a Itália pré-unificação,
quando a Igreja Católica era inacreditavelmente poderosa em toda a península
itálica, capaz de interferir na vida familiar de qualquer cidadão, sem que se
pudesse oferecer resistência.
O foco é na história da família judia Mortara, de Bolonha,
que teve um de seus filhos simplesmente tomado pela Igreja depois que uma
serviçal, por conta própria, decidiu batizar o garoto (ela achava que o menino,
que estava doente, poderia ir parar no “limbo” caso não passasse pelo ritual do
batismo antes de morrer). A cúpula católica da região ficou sabendo e alertou o
Papa Pio 9, que exigiu que o garoto fosse "confiscado" de sua família e levado a
força a Roma, para receber uma educação religiosa cristã.
Apesar de a história ter se tornado um escândalo midiático, a imprensa da época ainda não tinha tanto poder, então os Mortara nada puderam fazer para impedir que o rapaz fosse levado a Roma.
Bellocchio revisita essa história com intenções de criticar a Igreja Católica, sim, mas existe ali uma observação sobre qualquer tipo de religião que promove lavagem cerebral em seus fieis. Estilisticamente, ainda existe aquela admirável grandiloquência no cinema do diretor: o encontro final do garoto raptado com a sua mãe é um dos momentos mais marcantes de todo o festival. “Rapito” mostra o quanto Bellocchio continua um mestre, e em plena capacidade artística.
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