LA PASSION DE DODIN BOUFFANT (dir. Tran Anh Hung)
Benoît Magimel parece ter se tornado a Fênix do cinema
francês atual. Após um invejável início de carreira, em que ganhou o prêmio de
melhor ator em Cannes por “A Professora de Piano”, em 2001, deu uma escorregada
e passou um bom tempo sem papeis à altura de seu talento. Na vida pessoal, se
envolveu com drogas, ganhou muito peso e rapidamente perdeu o porte de jovem galã
que tinha lá no começo.
Mas nos últimos anos, deu a volta por cima. Ganhou dois
prêmios César consecutivos e está em três filmes em Cannes. Um deles, aliás,
pode lhe render um segundo prêmio de interpretação masculina.
Trata-se de “La Passion de Dodin Bouffant”, filme do
vietnamita Tran Anh Hung rodado na França. É a história de um mestre da gastronomia
francês do século 19 (vivido por Magimel), que levava a vida a preparar
delícias ao lado de sua cozinheira e companheira Eugenie (Juliette Binoche). Para
ambos, a culinária não era apenas um mero preparar de alimentos: era uma maneira
de se comunicar – e de declarar amor e afeto um para o outro.
O longa é um “food film” que leva ao extremo a atenção com o
filmar o preparo de iguarias. Porque, no filme, isso é a maneira como os personagens
de Magimel e de Binoche entram em contato com o mundo – não são tão bons com a
palavra como são com o cozinhar de refeições.
Hung também não parece muito hábil com as palavras desta
vez; o filme é sempre mais agradável e fluente nas cenas em que os personagens
estão cozinhando alguma coisa. Nas cenas em que conversam, porém, parece faltar
alguma coisa.
É um filme tanto estranho quanto fascinante – há algo de
canhestramente antiquado e deslocado da realidade ali, mas essa desconexão tem
lá seu apelo. Os preparos gastronômicos roubam mais da metade do longa, então
muita gente há de se irritar um bocado. Mas é uma obra de corajosa originalidade
– e, com o perdão do trocadilho, uma iguaria fina e a ser degustada com atenção
especial.
IL SOLE DELL’AVENIRE (dir. Nanni Moretti)
A pior coisa para um cineasta italiano é tentar ser Federico
Fellini (embora Paolo Sorrentino, nas suas investidas fellinianas, tenha em
geral tido algum êxito). Nanni Moretti tenta fazer em “Il Sole dell’Avenire”
uma espécie de “Oito e Meio” à sua própria moda – ou, se não chega ao mesmo
nível de complexidade do longa de Fellini, ao menos a um “A Noite Americana”,
de Truffaut, seu filme parece pretender chegar. Conta a história de um cineasta
(vivido pelo próprio Moretti) em pleno processo de criação fílmica – passando por
problemas de inspiração, crises pessoais, dramas existenciais.
Moretti aposta em um audacioso tudo ou nada: faz um filme um
bocado relapso em sua construção – talvez por autoconfiança excessiva, ou por
simplesmente não se interessar por como o espectador há de recebe-lo. Quem quiser
que aceite – ou deteste o filme e o deixe em paz em sua (enorme) imperfeição.
Como resultado, o longa é absurdamente desigual, com alguns
momentos constrangedores, mas aqui e ali o cineasta acaba ganhando a aposta: realiza
de fato algumas cenas comoventea.
O filme dentro do filme mostra membros do Partido Comunista
Italiano em crise, depois das rebeliões na Hungria, em 1956; a resposta
soviética, de truculência extrema, mostra que Stális não era nem de longe a
figura a ser seguida como grande parte da intelectualidade de esquerda mundial
acreditava que fosse.
Não há muita explicação para que a trama dentro da trama se
dê com esse contexto – talvez essa opção seja uma maneira de Moretti falar de
si e da sua própria inadequação ao mundo moderno, da mesma forma que grande
parte dos membros dos “partidões” comunistas mundo afora se perderam após
descobrirem as atrocidades stalinistas.
No caso do Moretti do filme, o cerne é a desilusão com os
caminhos em que o cinema seguiu – em uma das melhores cenas, ele se reúne com
produtores da Netflix, que mostram a sua real filosofia sobre o cinema, para
desespero do diretor.
Não é um filme à altura de obras muito mais buriladas e
efetivas do diretor, mas tem um sentimento genuíno de crença no poder do cinema
e do sonho de um mundo melhor tão fortes que, apesar das inúmeras fraquezas, o
filme consegue impor alguma simpatia a quem se abrir à proposta do diretor. Quem
se mantiver avesso ao que ele atabalhoadamente apresenta, certamente há de
odiar o que vê na tela.
L’ÉTÉ
DERNIER (dir.
Catherine Breillat)
É bem provável que Catherine Breillat tivesse um interesse especial
em adaptar o longa “Rainha de Copas” (2019), da dinamarquesa May el-Thouky,
para uma nova versão, desta vez passada na França. Após ver seu filme, no
entanto, é difícil concluir que interesse ela tinha. Porque a versão francesa
não traz praticamente nada de diferente em relação ao filme que lhe serviu de
inspiração – há, sim, um pouco mais de calor nas cenas e na protagonista, mas o
longa de Breillat tem exatamente a mesma mensagem e incorre nos mesmos erros
narrativos da obra el-Thouky. É um remake até mais problemático, aliás.
Mostra a história de uma advogada cinquentona que se envolve
com o filho adolescente que seu marido teve no primeiro casamento.
Fundamentalmente, é um filme sobre uma mulher se entregar aos desejos
corpóreos, mas é acima de tudo uma obra que mostra as instituições burguesas da
família e do casamento como algo que se sobrepõe a qualquer tipo de subversão.
A questão que fica, tanto no filme dinamarquês como no
francês, é: trata-se de uma crítica ou de uma defesa dessas instituições? Os
dois filmes são decepcionantemente evasivos em relação a isso; optam pelo
caminho mais fácil, deixando ao espectador o trabalho sujo que as cineastas
optaram por não fazer. Não há a menor justificativa para a existência da versão
de Breillat – a não ser facilitar a vida do público francês que tem preguiça de
ler as legendas da versão nórdica.
PERFECT DAYS (dir. Wim Wenders)
O cineasta alemão Wim Wenders é o tipo de cineasta que desperta
na crítica uma paciência com seus filmes que talvez ele não merecesse. Há anos –
décadas – que ele não dirige um longa verdadeiramente efetivo (“Pina” talvez
seja a exceção), e ainda assim continua sendo elogiado por filmes bastante
frágeis e convidado para grandes festivais.
“Perfect Days”, por um momento, parece ser o grande filme
que ele anda devendo. Mostra um limpador de banheiros públicos japonês em sua
rotina sem graça, de poucos momentos interessantes, mas cuja inusitada poesia
ele próprio consegue enxergar. É um sujeito que quase não fala – e que quase
não reage ao mundo que o cerca. É passivo e acomodado – e talvez seja melhor
assim, já que não teria condições de ser feliz caso tivesse uma alma um pouco
mais rebelde.
O longa consegue nos mostrar esse personagem com alguma
habilidade por mais ou menos uma hora, mas chega um ponto em que o filme (e o personagem)
se tornam sum bocado irritantes em sua domesticação. Mais do que um gesto de
afeto diante de pessoas em situações sociais difíceis, mas que conseguem ser
felizes ainda assim, o filme parece fazer uma ode à docilidade.
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