sábado, 13 de fevereiro de 2016

Berlim 2016 - filmes do segundo dia


Cena do tunisiano "Hedi"
A AMANTE 
[atual. 31/05/2018: filme exibido na Berlinale 2016 com o nome original "Hedi"]

O segundo dia Berlim começou com um filme de um iniciante, o tunisiano Mohamed Ben Attia. “Hedi” tem como produtores os irmãos Dardenne, então talvez isso explique por que o filme tenha tantas cenas com a câmera tremida e grudadas no pescoço do personagem principal, Hedi, um jovem à beira de tomar decisões que vão mudar sua vida para sempre.

O tema do filme é o embate “tradição x mundo moderno”. O protagonista é um rapaz de uma família burguesa tunisiana insatisfeito com a própria vida. Ele vai em breve se casar com uma jovem bonita e bem nascida, mas fútil e submissa demais para despertar seu interesse. Quando eles estão juntos, até existe algo entre eles, mas no máximo uma relação de ternura mútua; mas o clima do encontro é sempre de frieza.

Também em seu trabalho, Hedi parece ausente – ele é vendedor de seguros de carros, e talvez seja a pessoa menos indicada no mundo para a função: não é comunicativo, carismático e nem tem o menor poder de convencimento.

Tudo muda quando ele vai trabalhar em um balneário, onde conhece uma moça que faz bicos de babá e ganha a vida dançando em um grupo que anima um resort cafona na região. Ela é carnal, voluptuosa, moderna. Hedi se apaixona e decide fugir com ela para uma vida de incertezas, mas de prazer – e, provavelmente, amor.

Hedi é um jovem do mundo de hoje, parte da geração que fez a chamada Revolução de Jasmim, a primeira das “primaveras árabes”. Tem o espírito aberto para mudanças – sua geração não se contenta mais com o pensamento antiquado da sociedade tunisiana conservadora em que nasceu. O filme é bem feito, mas o diretor (em seu primeiro longa), embora faça um interessante longa sobre os desdobramentos da revolução na Tunísia, não traz nada de novo ao tema da “revolução pessoal”. É uma história às vezes tocante, intimista, mas a partir do momento em que a intriga geral é apresentada, o público já sabe exatamente o quê e como o que vem pela frente vai acontecer (a cena final, “aberta”, é um enorme clichê). Mas pelo menos o filme se distingue ao trazer informações interessantes sobre a sociedade na Tunísia da década de 2010, no pós-revolução, mostrando como a juventude do país está cada vez mais ocidentalizada.

Seria isso ruim? Enquanto os valores ocidentais assimilados tiverem relação com questões humanistas, é algo positivo; é o tipo de contaminação cultural mais do que bem-vinda  – e o longa nos mostra que isso tem ocorrido, sim, na Tunísia. Mas no que tange aos apelos do consumismo e da adoção de um estilo de vida acelerado e que visa a performance (que o filme também nos mostra, ainda que transversalmente), aí uma certa resistência é sempre importante. Saber dosar isso parece ser um dos grandes desafios dos países árabes mais progressistas, e nesse sentido, “Hedi” surge como importante documento dessa época.     

Shannon e o garoto Leibeher em "Midnight Special"

MIDNIGHT SPECIAL
Por outro lado, quase nada foi minimamente aproveitável da sessão de “Midnight Special”, a não ser a comprovação de algo que eu já suspeitava: Jeff Nichols não é nem de perto o gênio que a “Cahiers de Cinéma” quer vender para o resto do mundo. Muito pelo contrário – o filme é ruim em um nível quase absurdo. O curador da Berlinale, Dieter Kosslick, costumeiramente reserva uns dois ou três filmes péssimos para a seção competitiva – talvez em nome da diversidade, da pluralidade (vai saber). “Midnight Special” certamente entrou na briga pelo Urso de Ouro dentro dessa “cota”.

O filme é sobre uma criança com poderes especiais (que solta raios luminosos pelos olhos), que precisa ser escoltada por seu pai na fuga de perseguições de extremistas religiosos e do FBI. Michael Shannon é o protagonista, e se além de revelar as deficiências de Nichols enquanto cineasta o filme nos dá outra lição, é a de que Shannon definitivamente não segura um filme em um papel principal de “mocinho”. Ele não tem carisma, presença – tem, sim, alguma técnica, mas isso é insuficiente; ele nunca envolve o espectador. E aqui ele divide a maior parte das cenas com Joel Edgerton, que é um ator capaz de boas performances (como no interessante “The Gift”, que ele próprio dirigiu), mas sem a devida orientação tem uma enorme propensão ao overacting – que é exatamente o que ele faz aqui. O personagem dele é uma incógnita – é um amigo de infância de Shannon que o ajuda na fuga com o garoto “iluminado”. Mas qual o significado dele enquanto personagem? Ele não faz o menor sentido na trama e não tem o menor desenvolvimento dramatúrgico.

O elenco traz ainda Sam Shepard, excelente na pele de um pastor fervoroso, e Adam Driver, divertido como um pesquisador que faz perguntas impertinentes. E há Kirsten Dunst, sem maquiagem e chorosa, na pele da mãe do garoto – ela não acrescenta muita coisa à personagem, uma espécie de “Maria” moderna, mãe de um messias esdruxulamente robótico, vivido pelo pequeno Jaeden Leibeher (as falas dele quando “possuído” são tão ridículas e ditas de forma tão solene que a plateia gargalhava cada vez que o menino entrava em transe).

A certa altura, tal criança revela ser alguém de um outro mundo que está na Terra com alguma missão messiânica. O filme certamente é uma alegoria de alguma coisa – talvez sobre a necessidade de, no mundo atual, perdido e condenado à autodestruição, as pessoas terem alguma fé –, mas qualquer tema de fundo se perde diante da ficção científica de segunda linha que Nichols apresenta. O filme é um sub-Spielberg, que traz o que os piores filmes do americano têm de ruim, só que com o ritmo presunçosamente arrastado dos longas de Nichols. Houve quem disse que gostou (uma minoria), mas eu duvido que se o filme trouxesse a assinatura de um outro diretor tais reações seriam assim positivas.

James Hyndman em "Boris sans Béatrice"

BORIS SANS BÉATRICE
A outra sessão competitiva do dia foi a do canadense “Boris sans Béatrice”, de Denis Côté. O filme mostra um homem que, enquanto aguarda que sua mulher supere uma grave crise de angústia e depressão, praticamente em estado vegetativo, tenta viver sua vida, abusando dos romances com belas mulheres. Não posso comentar muito porque precisei deixar a sessão antes do fim, mas até onde eu assisti, não parecia exatamente muito promissor; o ator principal, James Hyndman, é eficiente, mas não gera muita empatia, e o diretor parece muitas vezes preocupado demais com os toques visuais "espertos" do filme que com o seu sentido. Quem viu até o fim disse que a coisa não melhora muito; foi recebido com frieza pelos jornalistas que assistiram até o final.

Nenhum comentário:

Postar um comentário