"Death in Sarajevo" |
O bósnio Danis Tanovic trouxe um filme bastante aplaudido
para a Berlinale. “Death in Sarajevo” se inspira em uma peça do intelectual
francês Bernard Henri-Lévy que coloca em questão noções sobre ser “europeu”,
especialmente 100 anos depois do início da I Guerra Mundial. O filme se passa
durante as rememorações do centenário do assassinato de Francisco Ferdinando,
em Sarajevo, o que teria (segundo os livros de história) marcado o começo do
conflito.
É um filme com diversos personagens, sem nenhum se destacar
em relação ao outro. A ação se passa em um hotel, talvez o ambiente mais
propício (e mais fácil) para um roteirista encher de personagens variados –
desde “Grande Hotel”, o artifício já foi tão usado que esse tipo de filme de ensemble praticamente já virou um gênero
por si só. Infelizmente, Tanovic não consegue escapar muito dos clichês, mas é
um trabalho muito eficiente de direção – o longa é fluido, com a câmera
seguindo os personagens sem tremer (o que é raro hoje em dia). As situações são
em geral curiosas, e as discussões políticas sempre enriquecedoras, embora em
alguns momentos sejam muito específicas – quem não conhece em detalhe as
questões envolvendo a ex-Iugoslávia fica sem compreender grande parte do que é
debatido. Mas no geral é um belo filme, que se sustenta bem.
"Alone in Berlin" |
Até o momento, “Midnight Special” é o pior filme da
competição, mas “Alone em Berlin”, de Vincent Perez, se esforça o quanto pode na
disputa por essa desonrada posição. O filme é quadrado demais para estar em um
festival de cinema. Mas tem uma estrela (Emma Thompson), um astro alemão
(Daniel Brühl) e se passa... em Berlim! Logo, seguindo a (discutível) lógica do
curador do festival, é filme para estar na briga pelo Urso de Ouro...
A história é bem intencionada: mostrar um casal de
berlinenses que, no começo dos anos 40, resistiram a Hitler e ao nazismo,
divulgando por conta própria propaganda contra o governo. Mas o filme é meio mal
feito (a montagem no começo é particularmente ruim), careta, sem imaginação. E
sem charme algum. O elenco se esforça, mas pra quê? O ex-galã e agora diretor
Perez não sabe tirar vantagem desta, que é uma das poucas coisas positivas de
seu filme. Que há de cair em merecido esquecimento.
"Crosscurrent" |
Eu cheguei dez minutos atrasado para a sessão do chinês
“Crosscurrent”, de Yang Chao. Então custei a entender minimamente do que o
filme se tratava – e confesso que deixei a sala ainda sem saber muito bem as
intenções do cineasta (e mesmo vários detalhes de trama). Mas isso não foi um
problema muito sério: o filme me satisfez em um nível sensorial – mesmo
entediado pela falta de ação, informação e diálogos, tive meu interesse mantido
por grande parte da projeção. Os asiáticos são peculiarmente fortes para criar
imagens, e Yang segue a mesma tradição. Mas eu acredito que, em “Crosscurrent”,
elas por si só não segurariam o espetáculo. O cineasta, porém, faz um uso
notável do som – quando não há a bela trilha sonora para nos manter envolvidos,
quem se presta a isso são os barulhos das embarcações do rio Yangtzé, que têm
um efeito apaziguante, talvez encantatório nos nossos ouvidos.
A trama é sobre um rapaz que viaja ao longo do rio Yangtzé,
me parece que influenciado por um poeta que já percorreu o mesmo caminho. A
cada parada, se encontra com o que parece ser a mesma mulher, ou talvez uma
aparição, quem sabe um espírito – mas não posso dizer com muita certeza. Claramente
o diretor tinha alguma mensagem de natureza mística ou religiosa para
transmitir, mas eu confesso ser ocidentalizado demais para captar qual ela foi.
Não só eu: na sessão em que eu vi o longa, muita gente saiu da sala antes do
fim. Mas quem permaneceu, se se frustrou diante de um filme talvez abstrato
demais, ao menos conferiu uma obra que fala aos sentidos.
"Soy Nero" |
“Soy Nero”, do iraniano Raffi Pitts, começou com cara de
Urso de Ouro. O filme é tão interessante e bem conduzido na primeira parte que
eu imaginei que o prêmio já estava garantido. Mas a certa altura, Pitts perde o
controle de uma forma lastimável – embora ele já tenha um currículo sólido, o
filme lhe escapa das mãos como costuma ocorrer com cineastas iniciantes (e
também, muitas vezes, há a impressão de que o longa talvez não tenha tido
orçamento à altura de suas ambições). Ainda assim, é um filme forte, sobre a
questão da obsessão dos mexicanos de conseguir um Green Card – no caso do
protagonista, alistando-se no exército dos EUA e indo para a Guerra. A direção
de Pitts tem toques de alta criatividade (e alguns até de gênio) – ele tem o
dom para as situações absurdas ou estranhas. É um cineasta a ser observado com
atenção.
"Genius" |
“Genius” talvez fosse um filme pelo qual eu tivesse uma
discreta simpatia se o assistisse em algum outro contexto - talvez no meio do
ano, em alguma entressafra de boas estreias. Mas em um festival de cinema como
Berlim, a experiência é até meio constrangedora para o cineasta, Michael
Grandage, tamanha a falta de ousadia e de interesse em tornar o filme algo minimamente
contundente. É a história do editor que lançou nomes como Ernest Hemingway e F.
Scott Fitzgerald. O foco do filme é no contraste entre ele, que era um sujeito
todo certinho, e o escritor Thomas Wolfe, que era o seu oposto – um homem amalucado,
a mil por hora, sem muito senso de responsabilidade. A atuação de Jude Law na
pele de Wolfe é tão ruim quanto se pode imaginar. A de Colin Firth como o
editor é boa, mas é o mesmo papel que ele tem feito desde... sei lá, talvez sempre.
Há ainda Nicole Kidman e Laura Linney, perdidas no meio desse marasmo todo.
"Zero Days" |
“Zero Days” é um documentário sobre um vírus de computador criado
para ameaçar o plano atômico iraniano, mas que acabou se tornando um malware
capaz de infectar PCs do mundo inteiro. O cineasta Alex Gibney não tinha uma
tarefa fácil: explicar termos técnicos de informática e de engenharia nuclear,
além de detalhes de geopolítica. Mas o filme consegue fazer tudo isso com notável
fluidez. Gibney encontra algumas boas soluções quando seu filme parecia marcado
para ser entediante, principalmente a escolha de um ritmo e um crescendo no
estilo de um thriller de espionagem. Mas o longa não é muito diferente de uma
bem produzida reportagem jornalística; é interessantíssimo (e faz revelações
surpreendentes) em seu conteúdo, mas em termos cinematográficos não vai muito
além do que um documentário mediano consegue ir.
"The Commune" |
Eu adoraria ter gostado mais de “The Commune”, de Thomas
Vinterberg, sobre um grupo de amigos que resolvem morar juntos, em uma comunidade
pós-hippie (urbana e “civilizada”), nos anos 70. O filme é gracioso, leve, e
tem uma atuação excepcionalmente boa de Trine Dylholme, como uma repórter que
se acha moderna demais a ponto de viver na mesma casa que o marido e sua amante
(mas que, logo, vai perceber que o buraco é mais embaixo). Mesmo na
liberadíssima Dinamarca, o ciúme é algo muito forte. No papel do marido dela,
Ulrich Thomsen também está excelente – não me surpreenderia se os dois levassem
os prêmios de atuação deste ano.
Agora, o filme em si me pareceu um desperdício de uma boa
ideia. O título é enganador – embora se passe em uma comunidade, o foco é basicamente
nos dois personagens (há também uma adolescente com importância na trama – ela é
um alter ego do diretor, que foi criado em uma comunidade como a do filme). Para
mim, o longa falha no que é principal: não me foi transmitida uma imagem de
como funcionava e o que eram ao certo essas moradias comunitárias – eu talvez
tenha saído da sala com mais dúvidas que certezas sobre esse estilo de vida
dinamarquês dos anos 70. O filme é, no fundo, sobre o triângulo amoroso
envolvendo o casal principal e uma estudante – a comunidade é mera figuração. E
a adolescente me parece uma personagem meio perdida – deveria ser o ponto de
vista do diretor, mas parece, na realidade, com um papel não muito bem
construído. Mas dizer que o filme é ruim seria uma mentira; ele apenas não vai
tão longe como parecia ter capacidade para ir.
"A Lullaby to the Sorrowful Mystery" |
Para concluir: o filme de oito horas do filipino Lav Diaz, “A
Lullaby to the Sorrowful Mystery”. O que dizer? Poderia ser o melhor do festival, mas... oito horas? Ainda pretendo escrever uma
crítica só dele, mas, por enquanto, deixo aqui meu relato em primeira pessoa
sobre a experiência de vê-lo em Berlim, em texto meu publicado no UOL. Eis o
link: http://cinema.uol.com.br/noticias/redacao/2016/02/18/juri-nao-comparece-e-diretor-sai-antes-do-final-de-filme-de-8-h-em-berlim.htm.
.
Nenhum comentário:
Postar um comentário