sexta-feira, 19 de fevereiro de 2016

Berlim 2016 - Críticas-pílula: vários filmes

"Death in Sarajevo"

O bósnio Danis Tanovic trouxe um filme bastante aplaudido para a Berlinale. “Death in Sarajevo” se inspira em uma peça do intelectual francês Bernard Henri-Lévy que coloca em questão noções sobre ser “europeu”, especialmente 100 anos depois do início da I Guerra Mundial. O filme se passa durante as rememorações do centenário do assassinato de Francisco Ferdinando, em Sarajevo, o que teria (segundo os livros de história) marcado o começo do conflito.

É um filme com diversos personagens, sem nenhum se destacar em relação ao outro. A ação se passa em um hotel, talvez o ambiente mais propício (e mais fácil) para um roteirista encher de personagens variados – desde “Grande Hotel”, o artifício já foi tão usado que esse tipo de filme de ensemble praticamente já virou um gênero por si só. Infelizmente, Tanovic não consegue escapar muito dos clichês, mas é um trabalho muito eficiente de direção – o longa é fluido, com a câmera seguindo os personagens sem tremer (o que é raro hoje em dia). As situações são em geral curiosas, e as discussões políticas sempre enriquecedoras, embora em alguns momentos sejam muito específicas – quem não conhece em detalhe as questões envolvendo a ex-Iugoslávia fica sem compreender grande parte do que é debatido. Mas no geral é um belo filme, que se sustenta bem.

"Alone in Berlin"

Até o momento, “Midnight Special” é o pior filme da competição, mas “Alone em Berlin”, de Vincent Perez, se esforça o quanto pode na disputa por essa desonrada posição. O filme é quadrado demais para estar em um festival de cinema. Mas tem uma estrela (Emma Thompson), um astro alemão (Daniel Brühl) e se passa... em Berlim! Logo, seguindo a (discutível) lógica do curador do festival, é filme para estar na briga pelo Urso de Ouro...

A história é bem intencionada: mostrar um casal de berlinenses que, no começo dos anos 40, resistiram a Hitler e ao nazismo, divulgando por conta própria propaganda contra o governo. Mas o filme é meio mal feito (a montagem no começo é particularmente ruim), careta, sem imaginação. E sem charme algum. O elenco se esforça, mas pra quê? O ex-galã e agora diretor Perez não sabe tirar vantagem desta, que é uma das poucas coisas positivas de seu filme. Que há de cair em merecido esquecimento.

"Crosscurrent"

Eu cheguei dez minutos atrasado para a sessão do chinês “Crosscurrent”, de Yang Chao. Então custei a entender minimamente do que o filme se tratava – e confesso que deixei a sala ainda sem saber muito bem as intenções do cineasta (e mesmo vários detalhes de trama). Mas isso não foi um problema muito sério: o filme me satisfez em um nível sensorial – mesmo entediado pela falta de ação, informação e diálogos, tive meu interesse mantido por grande parte da projeção. Os asiáticos são peculiarmente fortes para criar imagens, e Yang segue a mesma tradição. Mas eu acredito que, em “Crosscurrent”, elas por si só não segurariam o espetáculo. O cineasta, porém, faz um uso notável do som – quando não há a bela trilha sonora para nos manter envolvidos, quem se presta a isso são os barulhos das embarcações do rio Yangtzé, que têm um efeito apaziguante, talvez encantatório nos nossos ouvidos.

A trama é sobre um rapaz que viaja ao longo do rio Yangtzé, me parece que influenciado por um poeta que já percorreu o mesmo caminho. A cada parada, se encontra com o que parece ser a mesma mulher, ou talvez uma aparição, quem sabe um espírito – mas não posso dizer com muita certeza. Claramente o diretor tinha alguma mensagem de natureza mística ou religiosa para transmitir, mas eu confesso ser ocidentalizado demais para captar qual ela foi. Não só eu: na sessão em que eu vi o longa, muita gente saiu da sala antes do fim. Mas quem permaneceu, se se frustrou diante de um filme talvez abstrato demais, ao menos conferiu uma obra que fala aos sentidos.

"Soy Nero"

“Soy Nero”, do iraniano Raffi Pitts, começou com cara de Urso de Ouro. O filme é tão interessante e bem conduzido na primeira parte que eu imaginei que o prêmio já estava garantido. Mas a certa altura, Pitts perde o controle de uma forma lastimável – embora ele já tenha um currículo sólido, o filme lhe escapa das mãos como costuma ocorrer com cineastas iniciantes (e também, muitas vezes, há a impressão de que o longa talvez não tenha tido orçamento à altura de suas ambições). Ainda assim, é um filme forte, sobre a questão da obsessão dos mexicanos de conseguir um Green Card – no caso do protagonista, alistando-se no exército dos EUA e indo para a Guerra. A direção de Pitts tem toques de alta criatividade (e alguns até de gênio) – ele tem o dom para as situações absurdas ou estranhas. É um cineasta a ser observado com atenção.

"Genius"

“Genius” talvez fosse um filme pelo qual eu tivesse uma discreta simpatia se o assistisse em algum outro contexto - talvez no meio do ano, em alguma entressafra de boas estreias. Mas em um festival de cinema como Berlim, a experiência é até meio constrangedora para o cineasta, Michael Grandage, tamanha a falta de ousadia e de interesse em tornar o filme algo minimamente contundente. É a história do editor que lançou nomes como Ernest Hemingway e F. Scott Fitzgerald. O foco do filme é no contraste entre ele, que era um sujeito todo certinho, e o escritor Thomas Wolfe, que era o seu oposto – um homem amalucado, a mil por hora, sem muito senso de responsabilidade. A atuação de Jude Law na pele de Wolfe é tão ruim quanto se pode imaginar. A de Colin Firth como o editor é boa, mas é o mesmo papel que ele tem feito desde... sei lá, talvez sempre. Há ainda Nicole Kidman e Laura Linney, perdidas no meio desse marasmo todo.

"Zero Days"

“Zero Days” é um documentário sobre um vírus de computador criado para ameaçar o plano atômico iraniano, mas que acabou se tornando um malware capaz de infectar PCs do mundo inteiro. O cineasta Alex Gibney não tinha uma tarefa fácil: explicar termos técnicos de informática e de engenharia nuclear, além de detalhes de geopolítica. Mas o filme consegue fazer tudo isso com notável fluidez. Gibney encontra algumas boas soluções quando seu filme parecia marcado para ser entediante, principalmente a escolha de um ritmo e um crescendo no estilo de um thriller de espionagem. Mas o longa não é muito diferente de uma bem produzida reportagem jornalística; é interessantíssimo (e faz revelações surpreendentes) em seu conteúdo, mas em termos cinematográficos não vai muito além do que um documentário mediano consegue ir.

"The Commune"

Eu adoraria ter gostado mais de “The Commune”, de Thomas Vinterberg, sobre um grupo de amigos que resolvem morar juntos, em uma comunidade pós-hippie (urbana e “civilizada”), nos anos 70. O filme é gracioso, leve, e tem uma atuação excepcionalmente boa de Trine Dylholme, como uma repórter que se acha moderna demais a ponto de viver na mesma casa que o marido e sua amante (mas que, logo, vai perceber que o buraco é mais embaixo). Mesmo na liberadíssima Dinamarca, o ciúme é algo muito forte. No papel do marido dela, Ulrich Thomsen também está excelente – não me surpreenderia se os dois levassem os prêmios de atuação deste ano.

Agora, o filme em si me pareceu um desperdício de uma boa ideia. O título é enganador – embora se passe em uma comunidade, o foco é basicamente nos dois personagens (há também uma adolescente com importância na trama – ela é um alter ego do diretor, que foi criado em uma comunidade como a do filme). Para mim, o longa falha no que é principal: não me foi transmitida uma imagem de como funcionava e o que eram ao certo essas moradias comunitárias – eu talvez tenha saído da sala com mais dúvidas que certezas sobre esse estilo de vida dinamarquês dos anos 70. O filme é, no fundo, sobre o triângulo amoroso envolvendo o casal principal e uma estudante – a comunidade é mera figuração. E a adolescente me parece uma personagem meio perdida – deveria ser o ponto de vista do diretor, mas parece, na realidade, com um papel não muito bem construído. Mas dizer que o filme é ruim seria uma mentira; ele apenas não vai tão longe como parecia ter capacidade para ir.

"A Lullaby to the Sorrowful Mystery"

Para concluir: o filme de oito horas do filipino Lav Diaz, “A Lullaby to the Sorrowful Mystery”. O que dizer? Poderia ser o melhor do festival, mas... oito horas? Ainda pretendo escrever uma crítica só dele, mas, por enquanto, deixo aqui meu relato em primeira pessoa sobre a experiência de vê-lo em Berlim, em texto meu publicado no UOL. Eis o link: http://cinema.uol.com.br/noticias/redacao/2016/02/18/juri-nao-comparece-e-diretor-sai-antes-do-final-de-filme-de-8-h-em-berlim.htm.

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