quinta-feira, 15 de fevereiro de 2018

Festival de Berlim 2018 - crítica: "Grass"

(Grass, Hong Sangsoo)


Kim Minhee, sempre excelente, em cena de "Grass"

Hong Sansoo é como um Fassbinder dos anos 2010: ninguém faz tantos filmes por ano quanto ele – mas, principalmente, ninguém faz filmes tão novos e cheios de frescor. Não há um projeto do sul-coreano (por mais irregular que seja) que não traga alguma coisa absolutamente nova, mesmo que o diretor repita sempre uma encenação muito parecida: conversas de personagens sentados à mesa, não raro bêbados, em que se fala muito sobre a vida e as dificuldades do amor.

Mas talvez ele tenha chegado a um ponto em sua carreira em que devesse se demorar um pouco mais sobre um projeto, em vez de filmar rápido para se livrar logo e seguir com o seguinte. Seu novo longa, "Grass", exibido fora de competição em Berlim, é quase sempre tão instigante, vivo – por vezes é mesmo extraordinário – que deixa sempre a sensação de perda quando as situações são interrompidas, não ganhando um prolongamento que poderiam receber em uma dramaturgia mais tradicional. As pequenas cenas dos vários "núcleos" do longa são como uma degustação de um filme que Hong talvez tenha pensado em realizar, mas que por fim optou por não tocar adiante (provavelmente já pensando no projeto seguinte). Pela primeira vez, mais que a ansiedade por um "novo Hong Sangsoo", fica com o espectador a ansiedade por ter um pouco mais "deste Hong Sangsoo".

A estrutura que ele nos apresenta desta vez é mais complexa do que de hábito. O centro é uma jovem solitária (a sempre sensacional Kim Minhee), que escreve em seu laptop notas sobre o cotidiano enquanto observa os frequentadores de um café. Ao seu redor, vê casais que falam sobre o amor, sobre álcool (aqui, conversa-se muito sobre bebedeira, mas bebe-se menos que de costume) e sobre a morte – principalmente o suicídio (talvez seja o filme mais existencialista de Hong). 

Nunca fica muito claro se a personagem de Kim inventa as histórias que presencia, se o que ela vê são as tramas que ela mesma está recriando ou se apenas se inspira no que está a observar para criar a espécie de diário que está escrevendo. De qualquer maneira, a mensagem é clara: o filme é uma observação sobre a vida, sobre ver pessoas simplesmente vivendo e falando sobre o amor (o "tema dos temas", como dizia Truffaut). Enquanto ouve um rapaz e uma moça falando de uma jovem que se matou, Kim pensa consigo: "Aqueles dois ali, como são ridículos! Falando da morte dos outros, enquanto a deles próprios pode chegar a qualquer hora". Talvez seja a fala-chave sobre o sentido deste belo filme. 

Que, no entanto, é incompleto e por vezes falho (a própria personagem de Kim Minhee tem uma subtrama envolvendo um irmão que não se encaixa muito bem no resto do filme; parece querer dizer sobre as frustrações amorosas da própria personagem, mas é o tipo de situação que exigia mais desenvolvimento por parte do diretor-roteirista. Parece estranhamente deslocada).

Ainda assim, "Grass" vale por vários momentos de sensacional inventividade: o melhor deles é quando uma das personagens, enciumada, fica indecisa sobre tomar uma determinada atitude ou não, ficando por minutos subindo e descendo uma mesma escada. (O tipo de cena simples que um cinéfilo agradece aos céus por ter a oportunidade de conferir no cinema de vez em quando).

Outro ponto excepcional: a maneira como o diretor usa a música. São trechos de músicas clássicas, diegéticas (o dono do café é um entusiasta desse estilo musical, então as canções estariam de fato "tocando" naquele bar), mas que são utilizadas durante diálogos principalmente para ilustrar o fluxo emocional das pessoas enquanto têm uma conversa. Não é sempre que há exatamente uma consonância entre o que os personagens sentem e o tom da melodia que escutam. Essa inadequação entre melodia e o conteúdo específico da conversa quando surgem juntos reforça uma ideia curiosa: a do quanto os nossos sentimentos não são uma coisa pura, mas surgem sempre misturados, confusos e fora do timing esperado; surgem em turbilhões, de maneira desordenada e junto a outros sentimentos. 

Talvez não fosse nada disso que Hong buscasse com as cenas, mas é um efeito que ele consegue assim mesmo – e quando um artista ainda tem a capacidade de causar reflexões tão ricas a partir de artifícios tão simples, como exigir dele qualquer coisa a mais que isso? Eu não exijo.

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