quinta-feira, 22 de fevereiro de 2018

Festival de Berlim 2018 - críticas: "Touch me Not" / "Museo"

(Touch me Not, de Adina Pintilie)
Laura Benson (à direita) em "Touch me Not"

O filme mais experimental desta Berlinale vem da Romênia. É difícil resumir a trama (existe mesmo uma?) de "Touch me Not", mas vamos lá: o filme é sobre Laura, uma mulher cinquentona em constante busca por aceitação de seu próprio corpo e sua identidade. Ela procura se conhecer e se aceitar melhor a partir da interação com pessoas bastante distintas que, cada uma a seu modo, a fazem ter contato com algum aspecto de si mesma.

O filme é sobre autodescoberta. Laura contrata, por exemplo, os serviços de um garoto de programa e pede para ele se despir diante dela (mas os dois não fazem sexo). Talvez seja para mera satisfação sexual, mas pode ser que ela busque ali observar algo que ela não tenha e/ou não reconheça em si. Laura também tem interações com um homem que se traveste de mulher, que faz uma espécie de terapia de identidade sexual com ela. Aberto a novas experiências sexuais, ele também a ouve e conta um pouco de sua história.

Além disso, a protagonista se encontra com um outro terapeuta, que a estimula a se livrar da fúria que ela tem guardada dentro de si a partir de provocações físicas (e também humilhações de natureza sexual). Interage igualmente com um rapaz que tem problemas também de relação com o próprio corpo (ele, desde a adolescência, apresenta uma doença que o impede de ter pelos). Por fim, se deixa mostrar para a câmera da cineasta Adina Pintilie, diante da qual se desnuda (literalmente); ao mesmo tempo, auxilia a diretora em resolver algumas de suas questões mais íntimas.

Esses personagens se entrecruzam de alguma maneira, sempre se ajudando de alguma forma a ter essa maior compreensão corpórea. "Touch me Not", apesar de dizer no título "não me toque", é um filme de busca por contato. E por ajuda: para dar e receber de quem precisa.

Os personagens são todos párias sociais de alguma maneira, mas com a ajuda dos demais, acabam percebendo que são apenas pessoas que fogem à regra geral, mas não necessariamente são "anormais". Nesse grupo de freaks, a personagem de Laura (Laura Benson) é certamente uma das mais expressivas. Ela tem os traços fortes, masculinizados (várias vezes eu pensei se tratar de uma transexual), um olhar tenso e triste. Tem vigor físico e uma estranha sensualidade; é uma figura hipnótica de olhar. Mas o personagem mais marcante é um deficiente físico franzino (Christian Bayerlein), com o corpo quase totalmente definhado por alguma condição genética. Mas ele tem algumas partes de uma vitalidade sobrecomum, sobretudo o pênis, os olhos e o cérebro. É uma criatura fisicamente repulsiva: seus ressaltados três dentes tortos e imundos e sua incontinência salivar são quase intoleráveis para os padrões de aceitabilidade social, mas ele se revela um ser tão interessante, inteligente, bem-humorado, que nos envergonha; não tarda a deixar de ser repugnante e se tornar "normal" aos nossos olhos. Ele nos joga na cara o quão imbecis nós somos de sermos tão pouco receptivos a pessoas com limitações físicas como as dele.

O filme é longo e tem um fiapo narrativo. Parece ser um documentário com pessoas reais, mas há encenação, também. É terrível ter que recorrer ao clichê, mas ele define bem: "o filme embaralha as fronteiras entre o documentário e a ficção". É às vezes bastante chato em sua "não ação" e em alguns trechos de autoajuda meio discutíveis; como é experimental, muita coisa definitivamente não funciona. Mas algumas ideias dão muitíssimo certo - a utilização da câmera de cinema como meio de desnudar as personagens, embora uma ideia algo manjada, funciona perfeitamente bem.

É um filme que pode perturbar muita gente (tem nudez, sexo, corpos estranhos, comportamentos sexuais e sociais incomuns), mas não é gratuito ou sensacionalista. Mostra apenas que tudo, mesmo o mais esdrúxulo do mundo, pode ser algo legítimo. Se não prejudica os demais, que mal há em se comportar ou parecer diferente dos outros?

***
(Museo, de Alonso Ruizpalacios)
Gael García Bernal em "Museo"

"Museo" é uma comédia com trechos de ação sobre dois amigos que planejam um assalto a um importante galeria de arte no México. Eles conseguem penetrar no Museu Nacional de Arquologia da capital mexicana e levam dali uma fortuna inestimável em obras e utensílios da civilização maia. Vão passar o resto do filme tentando vender as peças milionárias e levando sustos de pessoas que poderão denunciá-los (passam por uma engraçada batida policial na estrada, em que os agentes buscam drogas e não se dão conta de que a mercadoria o que trazem é uma relíquia).

É uma comédia com alguns bons momentos - ainda no começo, mostra uma ceia de Natal em que Gael García Bernal encontra uma solução bastante criativa para não precisar mais se vestir de Papai Noel. Mas no geral é um filme sem maior diferencial, que consegue prender a atenção e ter lá seus instantes engraçados, mas que não vai alterar a vida de ninguém.

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