sexta-feira, 30 de outubro de 2015

Mostra 2015 - Crítica: "De Longe Te Observo" [Desde Allá]

(Desde allá, 2015), de Lorenzo Vigas




O pior pecado de um filme com pretensões naturalistas é não parecer natural, e é aí que está o grande problema de "De Longe Te Observo" [Desde Allá], discutível vencedor do Leão de Ouro de 2015. Estreia na direção do venezuelano Lorenzo Vigas, o filme é sobre um homem (Alfredo Castro) que faz pegação nas ruas de Caracas e leva garotos para seu apartamento – ali, pede para os rapazes ficarem nus, enquanto os observa e se masturba. Um dos jovens, certa vez, o agride e rouba seu apartamento; mas por algum motivo não muito claro, o garoto retorna, e os dois iniciam um estranho convívio, que transita entre a relação de “pai e filho” e um romance gay.

O estilo é cru, sem floreios nem embelezamentos; as coisas são como na vida real. A intenção é mostrar pessoas e situações de maneira naturalista (termo rotineiramente mal utilizado pela crítica, que insiste em confundir "naturalismo" com "realismo", quando, a rigor, há marcantes diferenças entre ambos no cinema), dominados por impulsos que não podem ser muito bem racionalizados. Mas o material é superescrito: dá para perceber que passou por diversos workshops e tratamentos de roteiro antes de o script chegar à forma final. Os acontecimentos não têm organicidade, e mesmo se o diretor procura o tempo todo dar a impressão de "realidade", nada parece verossímil; não se acredita por um segundo no que está na tela.

Vigas dá amostras de talento, mas o estilo dele é muito parecido com o de todo um cinema recente, sobretudo feito na América Latina (Brasil inclusive). Não se detecta absolutamente nada de pessoal em sua direção – talvez Vigas devesse prestar mais atenção aos próprios instintos em seu próximo trabalho.

Ainda assim, o filme tem qualidades, e o senso de mistério é uma das mais fortes. Mas, de novo: quando alguns mistérios são revelados, não se acredita neles – e não apenas porque não poderiam acontecer na vida real; o problema é a maneira como acontecem e, principalmente, o ponto específico do roteiro em que ocorrem. O que deveria surgir advindo de um impulso (ou de uma pulsão) parece fruto de um cálculo milimétrico do diretor/roteirista. E, além disso, mesmo os fatos mais rotineiros são apresentados de forma que deem a impressão de ter um significado "mais profundo", quando todos nós sabemos que, na vida real, simplesmente não é assim que as coisas são (há às vezes muito mais superficialidade nas ações humanas do que gostaríamos de pensar que houvesse...). 

Alfredo Castro é um grande ator – tem o rosto e o biotipo de um Al Pacino mais amansado, menos elétrico; está entre os melhores em atividade no cinema hoje em dia (o trabalho dele nos filmes de Pablo Larraín, sobretudo "Tony Manero", é formidável). Mas eu confesso que não sei muito bem como julgar a atuação dele aqui. Seu personagem não fala quase nada, mas olhando para a face de Castro sabemos que sua mente não para de raciocinar. O tempo todo, sobre tudo o que o rodeia. Só que a expressão dele permanece a mesma – um rosto sem emoção, sério, incapaz de permitir que um mísero músculo se movimente.

Para a faceta misteriosa do personagem, é um grande acerto, porque não temos a menor ideia sobre o que ele pensa e sobre como vai agir; garante o suspense. Por outro lado, torna as intenções do personagem por demais obscuras, quando não inexplicáveis – chegamos ao fim sem entender absolutamente nada sobre o papel. E, o que é pior: com uma suspeita de que, talvez, nem o ator nem o diretor soubessem também muito mais coisas sobre ele do que o público.

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