sexta-feira, 23 de outubro de 2015

Mostra 2015 - Crítica: "O Evento"

(Sobytie, 2015), de Sergei Loznitsa

 


Documentário sobre o "Putsch de Moscou", uma tentativa frustrada de golpe de estado na Rússia, em 1991, quando o presidente Mikhail Gorbatchev estava fora do país e líderes comunistas queriam a volta de um estado soviético nos moldes rígidos pré-década de 80. O longa é todo feito com imagens da época, registradas por anônimos, nas ruas de Leningrado (foram achadas nos arquivos soviéticos). 

O bielorrusso Sergei Loznitsa evita uma narração em off, mas monta o material de forma que seu filme tenha um leve aspecto jornalístico: há uma preocupação didática, revelada nos discursos de lideranças políticas e diversas emissões radiofônicas que surgem em áudio. Mas o principal valor do filme, como em alguns docs e curtas anteriores de Loznitsa, é a observação sócio-antropológica do povo russo naquele momento histórico. Observamos as pessoas confusas, tensas (em meio a boatos e palpites desencontrados), porém sem a feição muito pesada; havia algo de excitante e esperançoso naquele momento histórico, em que o país se despedia do pesadelo de uma ditadura comunista e sonhava com a entrada no mundo capitalista. As vestes e cabelos da população já eram muito parecidas com a do Ocidente; a União Soviética já estava no fim, faltava apenas delinear como seria a nova Rússia.

As imagens são em preto-e-branco e, em geral, têm boa qualidade de iluminação e enquadramento; certamente não foram feitas por amadores. A edição é perspicaz e procura claramente mostrar o poder da pressão popular sobre decisões históricas – eu suponho que a intenção do filme seja estimular as novas gerações a também se manifestarem nas ruas diante de questões com as quais não concordam, inclusive as do atual governo de Vladimir Putin (que, de uma certa forma, reúne o pior dos dois polos da época da Guerra Fria: tende ao totalitarismo dos comunistas e à insensibilidade social dos capitalistas).


O filme é dividido em episódios diferentes – Loznitsa os une com pequenos trechos de tela negra, com acordes de “O Lago dos Cisnes”. É o grande pecado do filme: a opção soa um tanto piegas, como se o diretor quisesse solenizar as imagens por meio do acompanhamento musical (e ademais, me parece meio forçado traçar qualquer paralelo entre a trama do balé musicado por Tchaikovsky com as questões por que passava a Rússia daquele momento). Mas se não figura entre os melhores do cineasta, é um documentário de grande interesse.

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