quarta-feira, 28 de outubro de 2015

Mostra 2015 - Crítica: "Pardais"

(Sparrows, 2015), de Rúnar Rúnarsson


Atli Oskar Fjalarsson, em cena de "Pardais"
[[Nota do Autor: este texto foi escrito em outubro de 2015 e contém incorreções. Diferentemente do exposto no primeiro parágrafo, o filme não é em digital, mas em película 16mm - o que explica as imagens granuladas das quais tanto se reclama. Logo, o problema não é com a luz, como sugerido no parágrafo de abertura. A intenção do cineasta seria evitar embelezar demais a paisagem, por isso a escolha pelo 16mm. Mas para preservar o "calor" do momento da escrita, após uma sessão da Mostra 2015, e como a opinião do autor sobre as imagens permanece inalterada, preferiu-se manter aqui o texto original, tal como postado pela primeira vez]]

Este drama premiado no Festival de San Sebastián se passa em um vilarejo isolado no noroeste da Islândia. A paisagem é muito bonita, embora seja de uma beleza demasiado fria – tanto na temperatura como em espírito. Mas o diretor islandês Rúnar Rúnarsson evita explorar o potencial estético da natureza da região; aliás, até usa a câmera digital com um desleixo inexplicável – não nos enquadramentos, mas na luz. A luminosidade estoura em um tom amarelado que invade os objetos em cena, e há outras com imagens tão terrivelmente granuladas que trazem à memória os televisores antigos, que ficavam tomadas por “fantasmas” ao fundo quando a antena ficava fora de sintonia.

Ainda não entendi a razão dessa despreocupação com a qualidade da imagem (ou será que o problema era da sala de projeção?), até porque Rúnarsson se demonstra altamente atencioso com todo o resto de seu filme. Mesmo visualmente, as composições dos quadros são muito bem arquitetadas, com algumas imagens realmente expressivas - há inclusive uma inspiração felliniana em algumas (quando dois rapazes observam idosas saculejando seus corpos flácidos em uma aula de hidroginástica; ou quando uma mulher parruda se oferece e faz sexo com um jovenzinho bem mais franzino que ela). 

O filme é sobre a relação entre pai e filho – um pós-adolescente que precisa amadurecer na marra para cuidar do pai, um sujeito imaturo e indisciplinado. O garoto é sensível, civilizado e urbano; já é praticamente adulto, mas preservou uma voz infantil para o canto, quase a de um castrato, que ele põe para fora de vez em quando, em corais de igreja (ou sozinho, em uma espécie de autoterapia). Já o pai é um caipirão, um pouco menos rude que um ogro, mas só um pouco; sua existência se limita a esperar pelas deprimentes festas que dá em casa, na qual amplia o ventre já inflado com latas e mais latas de cerveja.

O garoto Atli Oskar Fjalarsson é sensacional. Parece um Tobey Maguire mais esguio e desajeitado, mas um Tobey com um talento que vai bem além de entortar os lábios e fazer cara de bom moço. O olhar dele nas cenas dramáticas é de uma expressividade rara. Ingvar Eggert Sigurosson, no papel do pai, também está ótimo, e eles fazem uma tocante dupla nas cenas em que os dois se esforçam na vã tentativa de estabelecer uma relação entre duas pessoas sem a menor afinidade.


O longa é conduzido com leveza e equilíbrio até quase o final, quando muda o tom; torna-se grave, desesperador. Depois de uma terrível (e magnificamente dirigida) cena de violação sexual, o rapaz precisa tomar uma atitude drástica; seu amadurecimento de fato acontece ali. Seu ato é tão inesperado e cheio de grandeza que o público entra em choque; o filme parece ter recomeçado em um novo registro, bem mais tenso. Mas logo depois, o roteiro comete um deslize fatal: faz apelo desnecessário ao drama fácil, quando a situação por si só já era muito mais do que dramática – era trágica. O filme quase implode ali, mas o que já havia sido construído até então era tão sólido que a estrutura não é abalada. E a cena final, simples ao extremo, redime qualquer delize. Rúnnarson é uma grande promessa.

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