sexta-feira, 30 de outubro de 2015

Mostra 2015 - Crítica: "O Abraço da Serpente"

(El Abrazo de la Serpiente, 2015), de Ciro Guerra



Drama esotérico no meio da floresta, sobre dois exploradores caucasianos que, em épocas distintas, embrenham na Amazônia colombiana atrás de uma planta raríssima e de poderes alucinógenos. O filme é ambicioso e, nos momentos mais inspirados, lembra “Apocalipse Now”, “Tabu” (de Miguel Gomes) e, em menor extensão, “Fitzcarraldo”. A narrativa é poderosa, mas complicada: vemos a viagem de um explorador alemão em 1909 paralelamente com a de um norte-americano, algumas décadas mais tarde (o filme não dá indicações muito precisas para saber exatamente qual). As duas narrativas se alternam sem muita explicação ou um espelhamento mais claro.

Mas a mensagem é evidente desde o comecinho: o filme é uma defesa da preservação e do respeito à cultura dos povos indígenas, continuamente massacrada pelo homem branco desde que ele pisou nas Américas pela primeira vez. Mas isso não significa que o diretor, o colombiano Ciro Guerra, evite as complexidades inerentes ao confronto entre culturas. Por exemplo: em uma cena, o explorador alemão quer impedir que os índios aprendam a usar sua bússola por medo de que, assim, logo se esqueçam de suas próprias técnicas seculares de orientação. Mas é o indígena mais resistente à colonização europeia quem lhe retruca: “Não se pode proibir alguém de aprender”. Preservar uma cultura não quer necessariamente dizer permanecer completamente nela fechada.

Os heróis do filme (perdoem-me pelo rompante binarista da análise) são os indígenas, sobretudo os espiritualmente desenvolvidos – os xamãs –, que orientam e dão lições de vida aos exploradores brancos (até zombam de alguns de seus comportamentos que, na mata, são totalmente ridículos). “Nunca mais fui o mesmo homem”, relata o alemão em seus escritos, referindo-se ao seu aprendizado na selva. É saudável ver esse tipo de inversão, ao menos na arte (já que, na vida, é praticamente inexiste). Mas fato é que o partidarismo de Guerra se torna por vezes cansativo – implicando, não raro, em um etnocentrismo autóctone um tanto ingênuo.


O cineasta é um excelente criador de imagens. Bem, com uma floresta exuberante como a Amazônia, difícil seria não captar belos quadros, mas a expressividade das imagens dele também se dá quando ele inclui a ação humana. Sobretudo quando os homens entram em conflito – há uma horripilante cena em que indígenas se martirizam com açoites diante de outro índio morto a flechadas. O filme é todo em um deslumbrante preto e branco, menos em breves sequências alucinógenas, quando imagens abstratas ganham cores berrantes, espetaculares – são a criação de um talentoso artista visual.

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