quinta-feira, 10 de maio de 2018

Cannes 2018 - Crítica: "Leto" [Verão]

Leto, de Kirill Serebrennikov


O elenco do adolescente "Leto [Summer]"
O que esperar da Rússia em um festival de cinema internacional que não seja uma visão altamente crítica da realidade social no país, sobretudo causada pelos rígidos governos comunistas? Pois essa (compreensível) obsessão russa aparece até nas comédias musicais produzidas no país, como "Leto / Summer" [Verão], de Kirill Serebrennikov. Passada no início dos anos 1980, na cena rock de Leningrado, é um longa jovial, cheio de humor e lirismo, mas que não deixa de dar seus coices nos excessos de vigilância e violência do governo soviético da época.

Logo nos primeiros minutos, o espectador é apresentado ao tipo de concertos de rock que a juventude russa do período podia frequentar: a plateia tinha que permanecer sentada, no máximo mexendo um pouco as mãos e os pés; se alguém se levantasse ou se exaltasse um pouco mais, seguranças surgiam para conter os menos disciplinados. E antes de pisar no palco, obviamente os músicos precisavam submeter suas canções ao aval da proprietária da casa de show (durante o espetáculo, ela se encarregava de "explicar", sempre com muito tato, as letras mais ousadas para algum censor de cara amarrada, que a qualquer momento poderia cancelar o concerto).

Embora fale sobre o contraste entre o espírito de pessoas jovens e uma sociedade altamente repressora, o foco de "Leto" é no amadurecimento afetivo dos personagens. O centro do filme é a relação entre um roqueiro já consagrado que apadrinha um músico promissor – o conflito se estabelece quando o rapaz se interessa pela namorada do veterano (e é correspondido). Surge ali um triângulo amoroso.

O filme tem números musicais vibrantes, embora nem sempre exatamente bem lapidados. O primeiro deles é o melhor: surge de maneira inusitada, em uma viagem de trem – os personagens começam a cantar "Psycho Killer", dos Talking Heads, enquanto a polícia soviética espanca um dos jovens de comportamento rebelde. O trecho regata a melhor tradição musical americana do número escapista, porém a moderniza com intervenções de computação gráfica e toda uma atitude que mescla irreverência punk e uma liberdade pós-anos 90. É o ápice do filme.

Mas os números seguintes nunca causam o mesmo entusiasmo (um deles, com "Perfect Day", de Lou Reed, que pretende falar da beleza das coisas simples, é inserido na trama de forma desastrada e pouco refletida; beira o constrangedor). E o filme, embora sempre cativante pelo espírito livre e sonhador dos jovens protagonistas, não tem muito mais a oferecer ao longo da projeção do que "carisma". Tem, também, algumas boas canções pop russas, mas elas serviriam melhor como fundo sonoro para uma festa animada na casa de amigos; como as quase protagonistas que acabam se tornando (já que as personagens de carne e osso não ganham um desenvolvimento substancial), porém, são incapazes de segurar o filme.

Talvez os adolescentes se identifiquem em vários níveis com o que verão na tela e o longa se torne de imediato um cult juvenil. O que seria compreensível, já que é a eles que o material parece primordialmente destinado.

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